As memórias (boas) da M


Quem vir esta imagem, pensa que é só uma fotografia a uma mesa, duas cadeiras e um fundo a preto e branco com o meu número preferido (17) na cauda de um avião... mas não! Não é só isso! 
É uma fotografia que conta uma história; e é de histórias que a vida é feita.
Estive no renovado Café “Central” em Santarém onde as memórias de infância me invadiram assim que lá entrei.
Estes eram - noutros tempos e com outra decoração -  os “lugares cativos” dos meus avós.
Todos os dias - durante muitos anos - estes lugares estavam reservados para o Sr. Mexia e para a Sr.ª D. Guilhermina, onde tomavam café a seguir ao almoço. Aqui passavam a tarde e conviviam com os amigos. As senhoras faziam crochê, os senhores liam o jornal e falavam da actualidade.
O meu avô - um homem instruído e culto para a época - gostava de ler, coleccionar livro e selos. Adorava trabalhar e orgulhava-se de nunca ter tirado a carta. Dizia que não lhe fazia falta porque tinhas pernas altas para o levarem onde quisesse.  
Era um homem com uma caligrafia ímpar, reservado, adorava viajar e dizia-me que passear nos tornava pessoas melhores.
Falava-me do Egipto e eu, em 2007, lá fui ver com os meus olhos o que ele tinha visto muitos anos antes.
Um homem que às refeições me servia um copo de leite e dizia que o leite “fazia bem aos ossos e me faria crescer forte e saudável”.
Recordo que – quase – todos os Domingos e Feriados almoçávamos no Central. 
No fim do almoço,  eu levava o meu avô - a quem quis os destino roubar as pernas que tanta falta lhe faziam - até ao seu lugar onde o “garoto” lhe era servido no ponto.
Dava-me sempre uma moeda e dizia para as juntar para estudar. Para nunca me esquecer de estudar!
A minha avó: uma mulher bonita, cabelo impecável com a sua madeixa branca, unhas sempre arranjadas e pintadas de encarnado, mau feitio e rezingona; fazia-lhe companhia de corpo presente, enquanto punha a conversa em dia com as amigas.
Um dia de Abril, almoçámos, levei-o na cadeira de rodas até ao seu lugar e despedi-me - como sempre fazia. Nesse dia o meu avô disse mais do que o costume. Disse-me que tinha a certeza que eu seria uma grande Mulher e que teria um futuro bonito. Deu-me duas moedas e fechou-me a mão. 
Foi a última vez que o vi...
Uns minutos depois, após beber o seu "garoto", o coração parou. Caíram-lhe os óculos, depois o jornal. O coração cansado parou ali, diante de todos como se tivesse adormecido num sono profundo.
25 anos volvidos, olho para estas cadeiras enquanto as fotográfo e quero acreditar que ali estão eles, o avô João Mexia a beber o seu garoto no ponto e a avó Guilhermina Mexia a beber o seu café pingado enquanto olham para mim e exclamam com o entusiasmo de quem nunca duvidou:

 “Vês como cresceste forte e saudável?! Estás uma Mulher!!"

Esboçei um sorriso enquanto tirava a fotografia e imaginava esta cena a acontecer ali, diante dos meus olhos e do meu coração.
Segui o meu caminho feliz, porque o "futuro bonito" somos nós que o construímos. 
Basta acreditar e confiar!

Um beijo
Rita Mexia



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